segunda-feira, 28 de março de 2016

A CICA E OS FIGOS RAMY - DOCES LEMBRANÇAS

Muitos brasileiros ficaram inconformados quando a CICA, a nossa Companhia Industrial de Conservas Alimentícias interrompeu a produção dos Figos Ramy em 1986. 
O doce tinha virado paixão nacional. Na sua elaboração a fruta transformava-se em passas carnudas, embebidas numa calda tão grossa que parecia mel; o figo é a primeira fruta citada na Bíblia, quando Adão e Eva perceberam estar nus e cobriram-se com as folhas da figueira.
O fato de as pessoas apreciarem os Figos Ramy, porém, não se devia à nenhuma motivação religiosa, apesar de doce ter um sabor divino - e vinha em latas redondas, pesando 600 gramas. Na lata, a CICA acondicionava as frutas lado a lado, apertadas e úmidas. Eram escuras, porém brilhantes e tenras. 
A produção se restringia aos meses de janeiro, fevereiro e março, que correspondem à safra do figo. Chegaram a ser produzidas 300 mil latas por ano. As passas eram comidas puras, usando garfo e colher (para não desperdiçar a calda), ou com a mão, segurando os figos pelo cabinho. Harmonizavam-nas com creme de leite, requeijão cremoso, suspiro ou sorvete de creme. 
Conforme disse o renomado jornalista J. A. Dias Lopes, na década de 1960 o pintor Di Cavalcanti quando vinha a São Paulo e se hospedava no antigo hotel Ca’d’Oro da rua Basílio da Gama,  servia-os com fatias de laranja aos amigos e interessados nos seus quadros. "As laranjas quebram a doçura dos Figos Ramy e assim se consegue comer mais”, explicava. Eu, pessoalmente, gostava de acompanhar os figos com vinho do Porto. 
Os Figos Ramy começaram a ser produzidos em 1945 e deixaram o mercado um ano antes de a empresa ser vendida ao grupo Ferruzzi. “Era muito caro produzi-los”, explica Salvador Messina Neto, o Turillo, último vice-presidente da antiga CICA. “Havia bastante descarte”. 

Ele conta que os figos, do tipo roxo, procediam inicialmente de Jundiaí e depois também de Valinhos. Deviam estar maduros, porém firmes, ou seja, inchados. Muito delicados, machucavam-se facilmente, complicando o transporte e a preservação. “O custo era alto, o preço de uma lata ficava elevado e não valeu a pena continuar”, concluiu Messina.
A CICA registrou o nome comercial do doce com “y”, inspirado no bairro de Vila Rami, onde existia uma fazenda onde o rami, uma fibra têxtil havia sido cultivada. Na fazenda havia uma cerâmica, que depois se transformou na Cidamar, hoje Roca,  e muitas figueiras e pertencia à família Cardia. 

Um dos seus empregados, Carlo, colhia os figos, secava-os no forno da cerâmica, embalava-os em papel celofane e os vendia na cidade. Um dos fundadores da CICA, o siciliano Comendador Antonino Messina, pai de Salvador Messina, encantou-se com o doce e decidiu industrializá-lo. 

Mas, para produzi-lo em maior quantidade, precisou superar dificuldades técnicas. Para isso, contratou Carlo e um confeiteiro italiano chamado Magnani. O trio desenvolveu um método no qual as frutas cozinhavam até alcançar 50 brix (escala numérica para medir a quantidade de açúcar) e terminavam na estufa - é um processo muito longo, complexo e caro, como disse Messina.
No fim de sua trajetória, o Figo Ramy acabou sendo exportado para diversos países, inclusive para Dinamarca e Suécia. Atualmente, encontramos nos supermercados vários produtos  com o mesmo nome, mas nenhum é tão bom quanto o original - como se dizia, "quem experimentou, experimentou. Quem não experimentou não experimentará mais"...
Para encerrar, uma vista da fábrica da CICA e suas imediações, nos anos 1960.  

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